Transcrição do artigo da revista o Occidente relativamente a esta ilustração:
"Já na pag. 118 do presente volume tivemos occasião de fallar
da villa de Oliveira de Azemeis, uma das mais ricas e importantes do districto
administrativo de Aveiro, quando reproduzimos em gravura o edificio dos Paços
do Conselho d’essa villa: hoje damos o frontespicio da sua igreja matriz.
Como se sabe, Oliveira de Azemeis, com quanto povoação
antiga, é villa muito moderna, o que é devido ao seu importante
desenvolvimento, sendo hoje uma povoação rica. Já desde 1703, sollicitavam os
seus moradores, de D. Pedro II, o foral de villa, que não conseguiram, por
causa da opposição da villa da Feira, a cuja jurisdição pertencia.
A sua posição num pequeno plano elevado, que declina sobre
dois rios, o Ul ao poente e o de Vilar ao nascente, o seu assento n’um ponto
importante da estrada de Coimbra ao Porto, communicando por outras estradas
lateraes com valle de Cambra, Arouca, Feira, Ovar, etc., junto á
importantissima praça, que é quase uma feira diaria, dá-lhe toda a facilidade
para progredir, do que os seus habitantes se não descuidam.
Quasi a meio da povoação e sitio mais elevado d’ella, onde
chamam o Padrão, ergue-se a igreja parachial sob a invocação de S. Miguel.
É ponto controverso se alli foi sempre a egreja matriz, ha,
porem, proximo da villa uma aldeia de S. Miguel, onde alguns auctores suppõem
ter existido o primitivo templo.
Seja como fôr, o certo é que a actual egreja data apenas de
1719, anno em que, por se achar em muito mau estado a antiga, se começou a
construcção da nova, a qual terminou em 1726, o que nos é assegurado por uma
noticia do doutor Manuel de Oliveira Ferreira, reitor d’aquella freguezia pelo
segundo e terceiro quartel do seculo passado e corroborado pelos livros das
Visitações, de que o sr. Commendador Leite Rebello, alguns annos presidente da
Camara da mesma villa, transcreven extractos nos Annaes do Municipio.
A fachada do edificio é de architectura pouco notavel, sem
caracter algum de grandeza e elegancia, o que é comum a quasi todas as nossas
egrejas do seculo XVII em diante. Sobre a porta ha uma escultura regular,
representando S. Miguel em acção de cravar com a lança o inimigo das almas,
prostrado e calcado a seus pés.
Duas torres ladeam esta fachada, mais por ornado que por
necessidade, pois só uma d’ellas tem sinos; não podendo nós dizer se dos tres
que alli existem, são ainda dois os que em 1744 foram benzidos pelo referido
reitor.
Entrando-se o templo é este de regular grandeza, de uma só
nave e alumiada por dezoito janellas. A capellamor tem a sua tribuna de talha
dourada, ladeada de varias imagens, taes como o orago S Miguel com o dragão a
seus pés, S. Pedro, etc. Ha mais varios altares lateraes e no corpo da egreja.
Esta fica cercada por um adro espaçoso, e pela parte
posterior a pequena distancia, demora o cemiterio da villa, de construcção
moderna, mas muito regular e bem arborisado.
Sobe se da rua para o adro por uma escadaria de tres patins,
na qual se levanta uma cruz, em cuja base se lê uma inscripção, d’onde consta
ter sido mandada alli collocar pelo bacharel Pedro Soares dos Reis, não
esquecendo que as cruzes da Via sacra foram mandadas levantar pelo veneravel
Fr. Antonio das Chagas.
Em torno do adro havia varias arvores, e antigamente (e não
sabemos se ainda hoje) duas velhas oliveiras, symbolo da freguezia.
Ao lado esquerdo da egreja, vê-se a casa da residencia
parochial, com accommodações sufficientes. N’esta viveu e se tornou notavel o
reitor acima mencionado, por ter ajuntado na salla principal d’ella uma selecta
e copiosa livraria, muito consideradas raras mais de tres mil volumes, a qual
em 1758 era por elle avaliada em mais de 6:000 cruzados, e quando se recolheu á
clausura, deixando a reitoria, valia, segundo diz Agostinho Rebello, na
Descripção do Porto, d’onde o padre era natural, 20:000 cruzados, o que será
talvez exaggerado. A livraria deve estar incorporada na da Academia Real das
Sciencias de Lisboa, porque á sua Ordem a legou o reitor resignatario, quando
falleceu no convento de Nossa Senhora de Jesus, onde se recolhera.
A freguezia foi abbadia até 1520, em que foi reduzida a
reitoria e commenda da ordem de Christo, por bulla de Leão X.
O parocho era reitor por concurso, excepto quatro mezes de
reserva que tinha a abbadessa do convento da Ave Maria do Porto; subia a sua
congua a 200$300 réis. Afora 700$000 que produziam os dizimos.
O parocho apresentava dois curas amoviveis um na matriz e
outro na freguesia annexa de S. Thiago de Riba d’Ul, hoje independente.
Por occasião do terremoto do 1.º de novembro de 1755, apenas
a egreja abriu algumas pequenas fendas, e cahiram os remates de algumas
pyramides.
Pelos annos de 1864, procedeu-se na egreja e residencia
parochial, por ordem do governo, a grandes reparos, de que muito estava
carecida, obtidos os necessarios meios pelas instancias do digno par do reino,
o Sr. José da Costa Sousa Pinto Bastos, natural da villa.
Reformou-se uma das torres, logoou-se a capella-mór de xadrez,
asobradou-se o corpo da egreja, estucaram-se as paredes e tectos, concertou-se
o telhado, fez-se uma grade de balaustrada para o arco cruzeiro foi reformado o
coro, dourada a tribuna do altar-mór e seus acessorios, e fizeram-se outros
concertos, sendo injusto e inexacto o commendador Leite Rebello, quando nos
referidos Annaes diz: “e a mais chegaria aquella avultada quantia... se melhor
administrada fosse,” porque se fizeram mais obras do que as pedidas e orçadas,
e se empregaram n’aqueles reparos tada a deligencia e cuidado, especialmente na
torre, e que muitos julgavam cahiria.
Devemos o desenho da fachada e alguns apontamentos á
esclerecida solicitude do Sr. Silva Praça, d’aquella Villa, a que já nos
referimos no artigo acima citado."
fonte: o Occidente: Revista ilustrada de Portugal e do estrangeiro, 4. anno - Volume IV - N.º 103 (1 de Novembro de 1881)
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